quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Sonho, pt. 1 - Coisas bonitas

Desligaram tudo. Disseram-me que, agora, há só uma coisa, mais importante que falar e que cantar, mais importante que correr e que dançar, que comer e que mijar, que olhar e que ouvir, só há uma coisa. Chegaram ao ponto de dizer que não precisava de pensar em respirar, que não precisava de pensar em pensar. Mandaram-me ficar ali, deitado, reduzido ao sopro de uma máquina e ao fundo de uma equação e nada mais do que isso.

Sim, algo mais que isso. Sim, um pouco mais que isso, sobrou-me uma batida. Mandaram parar tudo, minguar tudo, esquecer tudo. Mas o coração continuou, sozinho, no escuro.

Nesses dias, como três dezes anos antes, e um pouquinho mais, fui o corpo em que apenas uma coisa importava: voltar a preencher de porvir cada um dos meus pedaços. Como nos dias antes de nascer, trinta e pouco anos antes, voltei a ser apenas uma batida no escuro. No escuro. No pouco mais que escuro.

Sim, algo mais que isso. Muito pouco mais que isso, muito pouco mais que escuro, muito pouco mais que nada, pouco mais que o sopro de uma máquina, no fundo de uma equação, eu fui só aquilo, sim, uma batida. Uma batida no pouco mais que escuro. Uma batida, uma batida, uma batida,
e o sonho de um ponto de luz.