quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Cais das Colunas

Uns com os dedos enleados nas grades, outros com as mãos nos bolsos, os velhos juntaram-se num magote.
Por entre os gritos das gaivotas, o braço mecânico estende ao fundo do rio os gestos do homem dentro da máquina. Às garfadas, arranca calhaus para um monte que faz ao lado. Desenterra anos de esquecimento.
Os velhos olham quase mudos, não fossem os sorrisinhos que soltam enquanto batem nos ombros de outros, um calhau a menos até ao fim da obra.
O braço mecânico move-se destro pelo ar, como uma dança. Sem pressa mas sem perder tempo em dúvidas, esvoaça e mergulha a buscar mais um desses sete palmos.
Lá em baixo, jaz ansioso um cais outrora branco que vive só na memória de um magote de velhos. As duas colunas que se já se erguem. A máquina volta a mergulhar.

Simples

Tenho sede de fácil
Uma figura, um objecto,
Uma forma,
Um círculo,
Uma sombra,
Uma dimensão,
Disparam nos meus olhos
Como fotogramas
Em rápida sucessão.
Antes de adormecer
Um silêncio escuro
Uma noite longínqua

terça-feira, 22 de abril de 2008

Deus Teenager Est

Curvado ao peso da cruz, arrastava o passo monte acima. O olhar desviou-se para uma gota que lhe escorria pelo cabelo; o sangue entrelaçado no suor.
Vincou um sorriso no canto do lábio e começou, monte acima, a cantarolar as músicas da Sua adolescência.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

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Não me conformei ao medo de te ver vazia
Nem me conformo à ânsia de te querer encher
O vento cantar-me-à a resposta
Ao ouvido

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Ao meu avô

De um pulo, voou por cima dos três degraus que davam para a porta da igreja. A escuridão e o silêncio fizeram-no travar o passo e tirar o chapéu da cabeça, enquanto um frescura doce lhe escorria pelo pescoço. Mas não estava nem para santinhos nem para salamalecos, avisou, enquanto um sorrisinho lhe bailava nos cantos dos lábios.
Ao canto, ao pé do altar, do lado direito, estava a figurinha da sua santa de devoção, Nossa Senhora da Guadalupe. Foi sentar-se à frente dela.

"Que parvo", pensou, enquanto sentia o sorriso crescer dentro dele, quase a entornar-se pela boca fora. Tentou, a esforço, esconder-se dos olhos suplicantes da virgem. Baixinho baixinho, começou a cantar.

Ao passar da ribeirinha, pus o pé,
Molhei a meia, pus o pé,
Molhei a meia, pus o pé,
Molhei a meia

Não casei na minha terra, fui casar
A terra alheia, fui casar
A terra alheia, fui casar
A terra alheia

Parou de rodar o chapéu impaciente nas mãos e fisgou um olhar para a Virgem Santíssima.

Minha Mãe dá-m’um conselho, que me dói
A passarinha, que me dói
A passarinha, que me doí
A passarinha

Ò filha coç’à c’o dedo, qu’eu também
Cocei a minha, qu’eu também
Cocei a minha, qu’eu também
Cocei a minha

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Mar meu

Olho o mar meu
Um mar de medo
De um brado escuro, ledo, calado
Mudo no lábio trémulo
Brando num mar de mau grado

O mar meu manso
Na maré vazia da morte
De um mar de mora
Milha perdida ao tempo
Ao verde achado ora

O mar meu vivo
Onde vive perdida a hora
Mar de mel, mar de sol, mar de sim
Mar meu onde perco os olhos
A achar um mar de mim

quarta-feira, 26 de março de 2008

Até agora

Calou-me a voz um cancro chamado humildade.

terça-feira, 25 de março de 2008

Vazio Inferior

se7e       como
tr3s       eu pudesse
zer0       alimentar
se7e       o vazio
1m       que me
n9ve       chega
1m       do inconsciente