quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Coisas bonitas

- O som.
- O som da antena a bater no tecto.
- É o tecto de ripas e as antenas dos carros, quando batem, parece como quando uma criança brinca com um pau a arrastar pela calçada. Faz "tr-r-r-r".
- Voltei a casa...
- O meu pai! A minha mãe.
- Está tudo bem, a sério que está tudo bem.
- As pessoas todas a olhar. Está tudo bem, não é caso para estar aqui deitado, não é caso para isto tudo, garanto-vos.
- Alguém falou comigo. Ela tem os olhos claros.
- Tenho que lhe dizer tudo. Não lhe posso mentir, nem ter vergonha de nada. Vou-me confessar com ela.
- Os olhos claros.
- O meu pai, outra vez! Sim, está tudo bem! Vai tudo correr bem. Vai tudo correr bem, não vai?
- Adeus.
- A porta. A sala. A sala tem um espelho.
- Do outro lado, há pessoas diferentes. Querem-me puxar. Não querem que me mexa, não querem que faça nada.
- Caramba, eu sou capaz de me mexer sozinho!
- Mais olhos claros.
- Toda a gente aqui tem olhos claros? Não consigo ter medo no meio de tantos olhos claros.
- Esta é a que vai cantar ao meu sangue uma cantiga de embalar.
- Vá. Isso. Dorme.
- Não. Não, não quero dormir. Só mais um bocadinho. Deixem-me pensar só mais numa coisa. Só mais uma, prometo.
- E esta, só mais esta. Esta é a última, prometo. Só mais esta pergunta. A sério, depois desta eu deixo-me ir.
- Só mais uma coisa... Só mais esta coisa... Só queria saber se sempre é verdade...

Respondeu-me de olhos claros. "Sim, sim, é verdade. Vá, faça isso."

- Isso. Isso. Pensa em coisas bonitas...