quarta-feira, 29 de abril de 2009

Promessa

Em pequeno, prometi que nunca faria promessas vãs.

S. Miguel

A igreja, como o Cruzeiro do Sul, é um marco cego que nem dá as horas.
Na surdez dos minutos que passam, entre o sino que devia tocar e o sino que não tocará; é por ela que acerto o meu relógio.

domingo, 19 de abril de 2009

Roda de choro

A batida do pandeiro, meio swing, meio samba, ditava aos corpos húmidos um ritmo frenético. Os ombros embrulhavam-se aos pares de pares nesse rima a compasso de dezenas de casais.
As saias bailavam pelo rebordo das coxas negras de cetim, de entre onde irrompia, à vez da batida acelerada, ora um joelho ora uma perna de tecido branco.
As mãos de dedos delgados seguiam os contornos de costas largas e as mãos de dedos grossos cingiam cinturas lisas e finas. De faces coladas, os olhos adivinhavam-se ao fim de cada réplica sussurrada ao ouvido. As paredes escorriam o tom violeta das meias luzes e o clarinete, como o grito desvairado de uma sirene, jorrava sobre a sala o sémen da transgressão.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Antes do amanhecer

Antes do amanhecer, a montanha transbordava de luz, já prenha do sol. O sopro da vida pairava na névoa a um palmo das coisas, tal como a alma paira a um palmo do sonhador. Tudo era quietude e silêncio.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Cinco, dez, quinze. Vinte, vinte e cinco, trinta.

Dispôs as moedas em cima da mesa, de maneira a que formassem uma cruz. Na posição do meio, colocou a última moeda com cuidado, não evitando o tinir seco, abafado pelos dedinhos gordos.
"Uma cruz", disse. "Que bonita cruz que se formou aqui, não acha? Parece que é de propósito. Até parece vontade de Deus."
Não conseguia sequer erguer os olhos. Olhava fixamente para a cruz que se desenhara na mesa.
"Não fique assim, homem! É a vontade de Deus, é o que eu lhe digo. E olhe que eu haveria de saber!", disse, soltando uma risada.
Retirou as moedas da mesa, uma a uma. Limitou-se a repetir secamente: "cinco, dez, quinze. Vinte, vinte e cinco, trinta". À medida que saía, sentiu o tinir das moedas debaixo das vestes, abafado pelo veludo da bolsa.

Só porque soa bem

Ainda não gosto de ti o suficiente para te mentir.

Só porque soa bem

Não quer dizer que seja verdade. Ou quer?