sexta-feira, 5 de junho de 2009

Todos nós temos o José na voz.

A bola saltitava, já sem nenhum jogador por perto, em direcção à bandeirola de canto. Caprichosamente, o esférico beijou o mastro da bandeirola e resvalou para fora. Pela linha lateral. Os treinadores, um mergulhado no banco, o outro de pé a assistir à partida, trocaram um olhar. "Safaste-te, que eu sou perigoso é nos cantos", pensou o malfadado para o outro. "Pois é, azar", respondeu com olhar jocoso.
A partida seguia renhida e o estádio cantava as cores de lá, um pouco menos favoritas a vestirem taças, é certo, mas cheias de convicção. A equipa dava boa conta de si. Respondia à cadência dos cânticos inflamados e o treinador, em braza também ele, não se aguentava sentado na cadeira e franzia o sobrolho a cada acção irreflectida de um dos seus jogadores. O outro, mais velho, senhor de melhores e mais antigas cores, continuava a afundar-se na poltrona, na paciência dos catecúmenos, dos generais das mil batalhas que, de nada em nada, guiavam os habituais milhares à parada final nas ruas da outra cidade.
Ao intervalo, nada de substituições, que era para seguir assim, que o golo da vitória lá havia de aparecer.
A segunda parte recomeçou na mesma toada, com os leões jovens a dar água pela barba aos leões mais velhos. O treinador experiente, vendo demasiados ameaços de perigo às suas redes, soergueu-se lentamente do cadeirão, mas não se levantou. Confiava que os seus soldados empedernidos soubessem entender os sinais da sua impaciência. O mais novo passeava os passos à frente do banco, de olhos fixos nas investidas que se sucediam à baliza adversária. Seria desta, seria desta, afinal?
E foi. O estádio mergulhou num ápice de silêncio no momento em que a bola ia beijar a rede. E o descompor das malhas, que mal sustiveram a violência do remate, fez o estádio explodir num grito: Golo!
Num salto que os cabelos grisalhos não fariam supôr, o general irritado levantou-se da poltrona e ordenou secamente: "quero fazer uma substituição".

O neto, obediente, pegou no comando e parou o jogo. Foi ao menú das "Preferências de equipa" e perguntou ao avô: "É só substituição ou também é para mudar a táctica?". O outro treinador, com um sorriso vitorioso nos lábios, acalmou os festejos e sentou-se no outro sofá da sala.