quarta-feira, 3 de junho de 2009

Cinco, dez, quinze. Vinte, vinte e cinco, trinta.

Rodei os olhos pelo horizonte azul até que avistei, ao longe, à minha esquerda, uma bandeira. Duas partes verde, três partes branca.
Aproximou-se um rapaz. Pendia do tronco delgado uma camisola velha, rasgada, de branca sujo e gasto, com a manga curta, demasiado larga, a cair quase até ao cotovelo. Os calções, da cor das copas frondosas que vestiam os morros salientes à minha volta, cobriam as coxas inteiras deixando ver as pernas do joelho para baixo. O corpo magro escondia-se praticamente todo debaixo da roupa larga, que batia no peito e nas pernas, despregada ao vento.
De pés descalços, trazia os chinelos castanhos enfiados nas mãos, com o polegar para um lado os outros quatro dedos para o outro, dobrando o cabo e enganchando o chinelo. A sola, gasta, percorria-lhe o antebraço como uma peça de armadura de borracha.
"Moço, me compra um amendoim", disse-me. "Estou terminando. Quero ir logo p'ra casa". De facto, só tinha um pacotinho de papel, em forma de cone, preso na parte da frente dos calções e entalando a camisola. "E quanto que custa?", perguntei, bem humorado. Do pescoço delgado, a voz saiu como um fiozinho: "É um real, só".
Levei a mão bolso para sentir as moedas. Obedecendo ao dedilhar, as moedinhas pequenas, todas iguais, colaram-se umas às outras como numa coluna. "Sabe," contei-lhe, "quando pego moedinha de cinco centavos eu começo fazendo coleção nesse bolso aqui, do lado esquerdo. Quando chego nas cinco moedas, eu troco por uma de vinte-e-cinco centavos. Aí, olha só, eu acho que terminei uma coleção!" Mostrei-lhe as moedas que tinha na mão e, deixando cair a sua armadura por terra, estendeu-me a dele em forma de concha. Comecei a contá-las, enquanto as depositava: "Cinco, dez, quinze. Vinte, vinte e cinco... Olha só, e ainda sobra uma: trinta! E essa conta por dois, viu só?"
Colocou as moedas no bolso dos calções e afastou o olhar para a praia praticamente vazia. Foi-se embora sem me dar os amendoins, de olhos baixos.
Voltei a fixei o olhar no fio de prumo, deitado e azul, à espera do sangue. Olhei à direita e voltei a ver a bandeira a afastar-se, ao longe. Duas partes verde, três partes branca.